O Preço
O sol já se punha quando cheguei em casa, aflito, com um
sentimento medíocre de auto piedade e agonia dentro de mim, a minha frente
estava a sala de estar com a mesa de vidro, o sofá e as poltronas mais o raque
onde ficava a televisão,onde deixei minha mochila, seguindo para direita pelo corredor
que dava no meu quarto, as paredes escureceram como se algo roubasse a luz do
apartamento, não notei de imediato a mudança no ambiente, mas era de se esperar,
meu andar se tornou mais lento e logo o corredor foi tomado por completo pelas
sombras, continuei indiferente a escuridão ao meu redor, o chão transmutara-se
em pedra junto com as paredes, me vi em uma espécie de caverna apertada, escura
e quente, avancei andando calmamente, as paredes se transformavam conforme eu
prosseguia por aquele caminho, um caminho familiar, uma trilha a qual eu já
trilhara antes, os muros agora estavam infestados com cadáveres. Os mortos vivos gemiam, pregados nas laterais
do corredor com seus membros balançando, braços e pernas e mãos que se mexiam
incessantemente, tentavam me alcançar, puxavam meu cabelo e arranhavam meus
braços e gritavam para mim “FRACASSADO! FRACASSADO! TOLO! TOLO! GAROTO IDIOTA!
VOCÊ A PERDEU! FRACASSADO!”. Um zumbido irritante, uma canção demoníaca e mal
arranjada, mas que aos meus ouvidos nada significava.
Naquele dia usava os meus velhos coturnos pretos já gastos,
uma calça jeans surrada não muito nova e a celebre camiseta do Pink Floyd que
sempre foi e será um de meus tesouros. O corredor findava em um salão com o
piso feito de ossos velhos carbonizados, era todo fechado, tendo apenas o
corredor como entrada e saída, as paredes eram feitas de pedras em brasa, a
única fonte de luz do recinto, no centro estava ele em seu trono, uma grande
cadeira de pedra maciça que emergia da pilha de ossos, trajava um terno fino,
preto com listras cinzas, a pele era rosada com as extremidades avermelhadas, tinha os cabelos curtos e
negros, da testa subiam dois longos cornos e entre eles pairava uma auréola de
fogo. Fui ao seu encontro, meu rosto sem expressão e fechado divertia-o,
levantou-se de seu trono cinzento e me recebeu com um sorriso malicioso.
- E então? Teve o que queria? - A questão imposta tinha tom
de brincadeira.
- Não foi justo, não era para terminar assim. – Seco e sem
emoção.
- Nunca disse que seria, agora pague o que me deve. O que
você esperava? Achou mesmo que seria ela? Garoto tolo! – “Garoto”, a palavra
era como navalha cortando meus pulsos. – Dei a você o que me pediu, não tenho
culpa de suas escolhas. Vendeu-me a alma por ela, deu à ela teu coração e agora
tens a mente mutilada pelas lembranças, achou-se homem feito quando não passa
de uma criança que não sabe o que quer! Tolo, garoto tolo. – Mais uma vez, como
uma lamina a cortar-me a carne. – A divida, vamos logo.
- Era uma armadilha e eu sabia, mas ...
- Mas o que? Foi sua própria luxuria quem o enganou, ou vai
me dizer que foi por..
- Amor! Sim, foi.
- Amor? Ra! O amor, então és mais tolo do que imaginara.
Do chão de ossos uma chama fraca emergiu, formando um espelho
de fogo, nele eu via entre as chamas o rosto dela, um rosto delicado de
bochechas macias e lábios carnudos, apertados e vermelhos, o olhos escuros eram
como perolas negras e os cabelos não passavam dos ombros, linda como sempre
foi, linda como eu sempre me lembrarei, carregava lagrimas nos olhos e um
sorriso tristonho, não me atrevia a dizer que era por mim a quem chorava, mas
aquela visão despertou em mim a raiva que se acumulava. Fui deixado, mais uma
vez, abandonado nas sombras e agora mais que nunca me culpava por tudo, minhas
mãos se fecharam espremendo meus dedos naquele impulso de ódio.
- O que esta esperando? Colete logo o que veio buscar e me
deixe em paz demônio maldito
Ele guinchou de alegria, sua risada ecoara por todo o salão,
levantou a mão fumegante babando labaredas dos dedos e tocou meu peito, puxando
minha alma, de repente todo o cenário escureceu e acordei de súbito em meu
quarto, suava frio, a visão demorou a se acostumar com as paredes brancas,
senti o peso de meu corpo cair na cama, depois de alguns segundos procurei em
meu peito onde o demônio arrancara de mim a alma e percebi que havia algo
errado, algo que faltava, o coração não batia, tentei falar, mas a voz não
saiu, tentei me levantar, mas as pernas não obedeciam. Então a voz dela veio
como um sussurro em minha mente, doce e carinhosa com um toque de sensualidade:
“Adeus meu querido príncipe.”
E assim meus olhos se fecharam e uma parte de mim morrera
naquele dia.
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